Por: Marco Seschi
Caso acompanhe a algum tempo meus textos, já deve ter percebido que algumas facetas culturais chinesas são extremamente multifacetadas. Isto se deve a uma não uniformidade com que as diversas famílias que mantiveram vivas as tradições das artes marciais até os dias atuais. O termo “Portas Fechadas” é outro que possui diversas camadas de significado de acordo com a linhagem a qual é imprimida. Enquanto para algumas é uma questão de importância máxima, em outras recai sobre a insignificância.
A
interpretação mais comum de aluno a “Portas Fechadas” é a de um
professor que ensina todo o sistema, com todos os chamados segredos,
para um ou poucos discípulos escolhidos a dedo. São estes os que irão
perpetuar sua linhagem para as próximas gerações, imprimindo a tradição
marcial por anos a fio. Embora seja tentadora, a noção de que este seja
um comportamento comum e generalizado entre as famílias é errônea.
Talvez com o advento no final do século 19 ou começo do 20 de contos
cavalheirescos, a famosa Wuxia, tomou-se esta ideia de que todos os
professores mantinham determinados pontos em segredo dos “alunos
comuns”, realizando a transmissão completa apenas para poucos
merecedores.
Muitos professores efetivamente seguem este modelo, talvez por ser algo perpetuado por gerações ou pelo simples fato de que adotaram um costume que acreditavam ser o correto. O fato é que a tradição se manteve e poucos são os que possuem acesso ao sistema completo. Interessante notar que esta é a maneira mais fácil de causar a extinção de uma arte marcial, porém deixemos este assunto para outro momento.
Outro
costume comum, principalmente no sul da China, é utiliza o termo
“Portas Fechadas” para alunos que adentram a família marcial após o
professor ter se aposentado do ensino público de artes marciais. O que
significa basicamente que é aceito em uma família de maneira exclusiva.
Talvez esta interpretação tenha se tornado comum após a criação da Jing
Wu e das escolas comerciais como conhecemos hoje. Uma variação pode ter
existido com professores que lecionavam em ambientes abertos ou eram
contratados privativamente. Porém como as tradições estão sempre em
constante mutação, impossível saber exatamente como era tratado nos dias
antigos. Temos que confiar em relatos que na grande maioria das vezes,
por ser puramente de tradição oral, possuem muitas distorções sobre seu
conteúdo original.
As
últimas maneiras na qual um aluno é conhecido desta forma é através do
segredo perante a comunidade ou a própria família. Esta razão possui uma
conotação social muito forte, pois basicamente se refere a esconder de
alguma esfera da sua sociedade o ensino para determinado indivíduo ou
grupo. As razões podem ser inúmeras, desde a não aprovação da família
marcial, algum tipo de limitação local sobre as artes marciais ou até
algo mais grave. Não vou entrar no mérito da gravidade com que ocorreu,
mas a Revolução Cultural Chinesa (1958-1960) foi um dos grandes motivos
por esta prática se perpetuar. Não é incomum ouvir relatos de
professores obrigados a ensinar na escuridão da noite para que não
fossem descobertos pelo governo. Porém seja qual for a razão, o fato é
que esta é uma prática ainda em voga atualmente.
No final, não existe uma definição simples do que é ser um aluno a “Portas Fechadas”. A grande variação cultural chinesa acaba por fornecer diversos cenários em que essa expressão pode ser aplicada. Alguns em maior ou menor intensidade, porém todos reais e sendo praticados em nossos tempos. Quando souber de alguma versão diferente da que conhece ou a mais comum, aproveite para descobrir um pouco mais sobre a cultura, história e costumes chineses. Além de se maravilhar com as possibilidades que isso abre dentro de sua família marcial e prática individual.
Sifu Moacyr Rother Neto, Wing Chun Family Rother
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